domingo, 22 de janeiro de 2012

RODRIGO LOBATO interpreta VILLA LOBOS - Estudo nº1








Fotos do recital realizado na Pro-Arte Seminário de Música. Gravação de áudio realizada em 14/05/2011 no estúdio Base A (engenheiro de som: Leandro).

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

DO BARROCO À MÚSICA CONTEMPORÂNEA III



PERÍODO ROMÂNTICO

O período Romântico (1820 - 1900) nasce da necessidade de uma revolução artística e científica na seara musical, cujo objetivo era lutar contra os ideais pragmáticos, puramente racionais e quase positivistas do período anterior. A questão principal não era anular ou eliminar os processos, meios e motivos composicionais das obras clássicas, mas sim questionar a sua preponderância frente aos impulsos subjetivos. O formalismo musical que dominou o cenário clássico não mais satisfazia os compositores que movimentavam a cultura musical européia na segunda década do século XIX. O intuito desta "revolução romântica" não era alcançar uma espécie de anarquia musical, quebrando padrões e dissolvendo costumes musicais já arraigados, mas a vontade de ultrapassar o racionalismo e atingir uma "metafísica composicional" era muito mais forte. O subjetivismo torna-se o ponto central do período. Contrariamente ao Classicismo, a subjetividade que derivou de toda conjuntura histórica do século XIX estimulou um processo individualista na prática musical, tornando a música meio principal de expressão do sentimentalismo artístico. O repertório romãntico é um grande espelho da interioridade humana do período, revelando o que havia de mais profundo em cada ser. O processo de criação não era mais puramente racional, pois ao formalismo Clássico foram adicionados todos os meios sensoriais como fonte artística. Nas peças dos compositores românticos, tais como Beethoven, Brahms, Wagner, Richard Strauss, Verdi, Rossini, Donizetti, Puccini, Chopin, Lizt, Tchaikovsky, Rachmaninov, Paganini, Borodin, Mendelssohn, Schubert, Schumann, Sibelius e Debussy, a emoção, a individualidade e o sentimentalismo são clarividentes, sobrepondo o que no Classicismo fora estigmatizado. Como conseqüente direto dos novos ideais surge um forte sentimento nacionalista na música do Romantismo. Rimsky-Korsakov, Mussorgsky, Tchaikovsky  - em certos pontos -, Dvorak e Gustav Mahler formam o grupo de compositores que expressaram fortemente tal sentimento em suas obras. A ciência musical passa por grandes transformações neste período. A Harmonia "romântica", contrapondo-se à Harmonia Clássica, não é caracterizada pela "previsibilidade" decorrente do antigo formalismo, apresentando  caminhos que surpreendem o ouvinte. As progressões harmônicas tornam-se mais complexas em decorrência de uma linguagem mais polifônica e, em alguns momentos, polirrítmica. As texturas da arquitetura harmônica passam a inserir e tratar a dissonância como elemento formal e estético da peça, integrando, inclusive, nos meandros da melodia. A liberdade formal, o surgimento de novas combinações harmônicas, o uso constante de cromatismos e modulações, e o reconhecimento da importância da dissonância como parte do movimento cíclico musical fortaleceram a Harmonia do período. A despeito de o Romantismo ter buscado o "renascimento" de características da antigüidade, tais como o período medieval e a renascença, o contraponto, artifício composicional do Barroco, não foi muito utilizado. Alguns compositores, como Wagner, Berlioz e Beethoven (principalmente em alguns de seus quartetos) manejaram com proeza tal mecanismo. Em sede de formas composicionais, a maior produção do período foi na área da música sinfônica. Não podemos afirmar que a música de câmara, a ópera e a música religiosa não tiveram relevância, pois muitos quartetos, estudos, caprichos e noturnos foram compostos, porém a sinfonia foi a forma mais utilizada. Na área operística, Wagner representou o clímax, tendo revolucionado todos os conceitos a nível formal e estético. A música instrumental também deixou suas grandes marcas, pois foi no século XIX que o piano, após modificações em sua estrutura (o sistema de martelo em sua mecânica), passou a ter mais recursos timbrísticos, podendo o intérprete controlar e explorar mais a sua execução. Com o surgimento de novas possibilidades e recursos na área pianística, as peças para o instrumento também sofreram grandes modificações, quase revolucionárias. Derivando diretamente de tal evolução instrumental, surgem autores que compõem para eles mesmos executarem, verdadeiros virtuoses do piano. A figura do pianista compositor, como Beethoven, Chopin e Lizt criou uma espécie de conceito circense em suas execuções, visto que o aperfeiçoamento técnico alcançado era inacreditável à época. Não foi apenas na linguagem pianística que os virtuosos intérpretes tiveram importância, não podemos esquecer de Paganini. Um dos maiores violinistas de toda história da música, Niccolò Paganini (1782 - 1840) deslumbrava o público de qualquer local, pois não havia ninguém que conseguisse executar peças para violino com sua técnica extraordinária. Não apenas foi um grande instrumentista, como foi um compositor de grande quilate, deixando um enorme legado para história. Seus estudos, caprichos e concertos para violino solo, assim como Beethoven, Lizt e Chopin na música para piano, são de enorme profundeza técnica e de uma beleza arrebatadora. Ludwig van Beethoven (1770 - 1827) foi um dos grandes compositores do século XIX, representando momento de forte transição, pois representou o final do período Clássico e início do Romântico. Ao analisarmos a música de Beethoven devemos levar em consideração tal questão, pois de fato há duas fases (clássica e romântica) em suas composições. A harmonia apresentada em suas peças clássicas é exposta e desenvolvida em formas herméticas, obedecendo o formalismo inerente aquele período. Tecnicamente, a harmonia não apresentava grandes surpresas, pois a força tonal ainda dominava. Traços de modalismo e afastamento do centro tonal já apareciam, mas era clarividente a força atrativa de um determinado "acorde central". Em contrapartida, nas peças da segunda fase de Beethoven as progressões harmônicas já apresentavam a modulação como algo inerente e comum a sua técnica. A preocupação com as texturas e a representação de algo extramusical, tal como emoções, individualismo e nacionalismo em suas obras é muito forte neste momento. A Primeira Sinfonia em Dó maior representa claramente a primeira fase de Beethoven.



Apesar da forte atração tonal, o primeiro compasso apresenta o acorde de C7 tocado quase "tutti" (por toda orquestra), exceto por trombones e tímpanos, resolvendo logo em seguida no quarto grau diatônico (fá maior - IV). Neste momento, apesar do acorde de C7 exercer uma função de preparação para o IV, não há modulação, ou seja, o modo de C mixolídio não é instaurado, pois no segundo compasso surge o quinto grau diatônico (sol com sétima da dominante - V), que resolve no VI (lá menor), relativo menor da tonalidade original, uma movimentação em direção à mediante (VI), caracterizando uma progressão deceptiva, não resolvendo diretamente no primeiro grau. No terceiro compasso surge um outro acorde dominante que não é diatônico, um D7 que prepara para o V de dó maior, o que levaria a uma espécie de transição modal, pois se considerarmos que houve afastamento para dó lídio, o lá menor seguido do ré com sétima caracterizaria um caminho subdominante-tônica resolvendo em sol maior, que aparece no quarto compasso. A despeito de tal consideração, o centro tonal é exposto e afirmado logo em seguida, quando no terceiro pulso do quarto compasso surge um Dm7 (II) arpejado pelos violinos. Nos compassos 5, 6 e 7 seguem três acordes diatônicos, V, III, I, e V resolvendo em um grande acorde de dó maior tocado por toda orquestra no oitavo compasso.



A melodia é exposta e desenvolvida, inicialmente, nos violinos (em oitavas e às vezes em uníssono), oboés e clarinetas (em oitavas - do quarto compasso em diante), mas há acompanhamento harmônico realizado pelas violas, trompas e flautas em intervalos de terça e oitava (compassos 5 e 6).  Nos violinos ocorrem bordaduras nos compassos 4 e 6 (G# e C# respectivamente) com uma diferença de oitava entre eles. Pode-se perceber que a estrutura é bem homofônica, não aparecendo traços de contraponto e polirritmia. A condução de vozes é feita formalmente, mas apresenta movimentação em oitavas paralelas (primeiro e segundo compassos  - violas, cellos e contrabaixos; fagotes; flautas e oboés), oitavas ocultas ( segundo compasso - trompas), uníssonos (segundo compasso - segundos violinos) e dissonâncias (trítonos) em uníssono (segundo compasso - violinos). A textura orquestral desta peça apresenta padrões na distribuição instrumental, tais como: melodia em terças e separada por oitava que aparece nas flautas, oboés e clarinetas (compassos 7 e 9) e o naipe de cordas executando-a em oitavas e/ou unísssonos (7, 9 e 12).  Nos compassos 18 e 24 dois acordes não diatônicos aparecem, o A7 (preparação para o segundo grau diatônico - Dm7) e Dm7(b5) (segundo grau de C eólio) respectivamente. A transformação que ocorre para o surgimento deste dois acordes é muito sutil, visto que a alteração é feita apenas em duas vozes. Nas flautas e clarinetas no caso do lá dominante, e oboés e clarinetas no ré meio-diminuto. No aspecto funcional, há a forte presença de dominantes secundários (V/V) como já demonstrado supra, mas apesar de certas surpresas harmônicas, a peça claramente segue um formalismo típico do Classicismo, respeitando a linguagem tonal. Por último, vale constar que há uma passagem harmônica muito interessante no compasso 12, pois ocorre uma justaposição de dois modos: G mixolídio nas flautas, oboés, clarinetas, fagotes e trompas, e G jônio nas cordas. Nas postagens seguintes analisarei parte das sinfonias 3 (transição do Classicismo para Romantismo), 5 e 9 de Beethoven, "Tristan und Isolde" de Wagner, Suíte Quebra-Nozes de Tchaikovsky, Sinfonias 1 e 6 de Gustav Mahler, e as revoluções nas técnicas de orquestração com Rimsky-Korsakov e Berlioz.